A Evolução do Ornamento - Ep 05 - Arts and Crafts: quando o ornamento quase se perdeu
- Caru Valverde
- Aug 19
- 3 min read
Updated: 2 days ago
No final do século XIX, a Revolução Industrial havia acelerado o tempo, centralizado a produção e transformado o cotidiano em engrenagem.

Objetos antes feitos com intenção e expressão passaram a ser fabricados em massa, de forma padronizada e sem conexão com quem os fazia. O artesanato perdeu espaço para o mecanizado, e o ornamento foi sendo reduzido a enfeite aplicado automaticamente. Até mesmo os florais e arabescos herdados do Romantismo, agora reproduzidos em catálogos industriais, começaram a parecer genéricos e cafonas. O que antes era linguagem virou clichê e perdeu valor para quem queria usar o ornamento como instrumento de pertencimento.
Foi nesse contexto que William Morris decidiu agir. E podemos dizer, sem exagero, que ele salvou o ornamento de um fim brega e superficial.

Nascido em 1834, no interior da Inglaterra, Morris cresceu cercado por natureza e livros. Vinha de uma família abastada, estudou na Universidade de Oxford e se encantou com a arte gótica, a literatura medieval e as ideias socialistas em ascensão. Acreditava que a arte não deveria estar confinada a museus ou às elites, mas integrada ao cotidiano com beleza, função e intenção.
Mais do que resgatar o valor do feito à mão, Morris estava profundamente incomodado com a forma como a industrialização estava esvaziando o conceito do ornamento. Para ele, o ornamento não era apenas um enfeite visual, mas uma linguagem carregada de cultura, significado e emoção. Ao ser aplicado mecanicamente e sem critério, ele deixava de comunicar para apenas preencher.
Seu incômodo vinha de observar:
O trabalho manual sendo desvalorizado;
O artesão perdendo autoria e sendo deslocado para tarefas fragmentadas e sem expressão criativa;
A beleza se tornando privilégio de quem podia pagar por arte;
O objeto cotidiano sendo reduzido à mera funcionalidade;
O ornamento perdendo intenção simbólica e sendo aplicado mecanicamente de forma genérica e cafona.
Diante disso, William propôs um novo modelo de criação. Em 1861 fundou a Morris & Co., ateliê que unia artistas e artesãos para produzir objetos funcionais, belos e feitos com técnicas tradicionais. Seus produtos incluíam tecidos, papéis de parede, livros, vitrais e móveis — todos criados com rigor artesanal. Morris desenhava os padrões, esculpia os blocos de impressão e supervisionava cada etapa.





Ele acreditava que:
O objeto deve ser ao mesmo tempo útil e belo;
O artesão precisa participar do processo criativo e colocar traços do seu olhar, das suas escolhas e das suas emoções no que produziu;
Fazer algo com as próprias mãos é uma forma de afirmar quem se é e de se conectar com o que se cria;
A arte deve fazer parte da vida cotidiana.
Seu sonho era que a arte não fosse algo distante ou luxuoso, mas uma experiência comum e acessível. Na prática, isso se revelou um desafio: a produção artesanal era cara e lenta. Os produtos da Morris & Co. acabaram sendo consumidos por uma elite progressista, e não pelo povo como ele desejava. Morris morreu sem ver seu modelo se tornar popular.
Ainda assim, seu legado é imenso. Ele estruturou o que podemos chamar do primeiro estúdio moderno de design — colaborativo, multidisciplinar e guiado por princípios éticos. Definiu o design como integração entre forma, função e significado, conceito que perdura até hoje.
A estética do Arts and Crafts, resultado natural desse pensamento, valorizava a natureza, a arte medieval, os ritmos orgânicos e os detalhes feitos com intenção. Cada padrão era pensado com intencionalidade: os motivos florais e vegetais escolhidos por Morris remetiam à natureza viva, ao ritmo orgânico da vida e à conexão entre o humano e o natural. Os desenhos eram feitos à mão, com composições assimétricas e dinâmicas, rejeitando a repetição mecânica. Cada curva carregava um gesto. Cada repetição contava uma história. A estampa se tornava, assim, uma forma de expressar valores, ideias e resistências culturais.













William Morris não foi apenas um idealista. Foi um realizador — e a fundação da Morris & Co. foi a prova concreta de que seu sonho podia sair do papel e ganhar forma, cor e função no mundo real. E se hoje falamos de design com propósito, é porque ele um dia se recusou a aceitar a superficialidade como destino.





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