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A Evolução do Ornamento - Ep 08 - A nova era da criação

  • Writer: Caru Valverde
    Caru Valverde
  • 2 days ago
  • 3 min read

Depois do apogeu do Art Déco, os anos 1940 foram marcados pela Segunda Guerra Mundial, e quando o mundo finalmente começou a se reconstruir, as bases que sustentavam a criação estética já haviam mudado radicalmente. As guerras não foram apenas conflitos políticos e territoriais: elas transformaram as formas de se relacionar, de consumir, de comunicar e, claro, de criar. O ornamento não escapou a esse processo.


A perda da hegemonia estética


Se durante séculos a estética foi conduzida de maneira relativamente centralizada — primeiro pelas cortes monárquicas, depois pela Igreja e mais tarde pelas elites urbanas —, no pós-guerra essa hegemonia se rompeu. A Europa devastada, com cidades destruídas, economias enfraquecidas e milhões de pessoas deslocadas, já não tinha condições de ditar estilos globais. Paris e Viena, que antes estabeleciam padrões estéticos quase como leis, perderam influência.


Em contrapartida, os Estados Unidos emergiram como nova potência econômica e cultural. Nova York, fortalecida pelo capital e pelo crescimento industrial, assumiu protagonismo como centro criativo. Mas, diferentemente de antes, já não existia um único polo capaz de impor padrões universais. A globalização, impulsionada pela imprensa ilustrada, pelo cinema, pelo rádio e depois pela televisão, acelerou a circulação de imagens e ideias. Estilos passaram a se espalhar e se misturar em diferentes lugares, de formas simultâneas e muitas vezes contraditórias.


A separação entre arte e design


Ao mesmo tempo, a industrialização consolidava uma transformação já anunciada desde o movimento Arts & Crafts, iniciado por William Morris no século XIX: a criação passava a ser pensada também como produto. Se antes qualquer expressão estética — um ornamento num vaso, numa fachada ou numa peça de roupa — era entendida como arte, agora surgia uma distinção cada vez mais clara entre arte e design.


A arte se afirmava como campo autônomo, livre de função prática imediata. O design, por sua vez, nascia comprometido com a lógica do consumo, mediando a produção industrial e as necessidades do mercado. A partir desse momento, passamos a ter duas áreas distintas de criação, que nem sempre caminhavam lado a lado.


Onde fica o ornamento?


É nesse ponto que surge a questão central: qual é o papel do ornamento em meio a essa nova configuração?

Antes da separação, bastava a intenção estética para que algo fosse considerado arte. Mas, quando o design se firma como linguagem, o ornamento migra para esse campo. Ele deixa de ser a própria arte e passa a ser o detalhe estético de um objeto funcional.


E aqui está o paradoxo: o ornamento não é exatamente design, porque não acrescenta função prática. Mas também não está ali à toa. Ele é, como podemos dizer, um “contrabando poético” dentro do design: a curva no braço de uma cadeira que não serve para apoiar nada, o estampado que transforma um vestido liso em peça de identidade, o detalhe que não altera a função, mas que comunica, emociona e desperta desejo.


O impacto dessa transformação


Esse deslocamento muda a forma de enxergar o ornamento. Ele deixa de ser apenas expressão artística e passa a se articular também como ferramenta de consumo, carregando significados que vão muito além da função. O ornamento torna o funcional desejável, dá identidade a objetos produzidos em massa e oferece às pessoas um meio de expressão em um mundo que se tornava cada vez mais padronizado pela indústria.

Mas essa nova lógica não se impôs sozinha. A partir do pós-guerra, a pluralidade estética se intensificou. Diversas linguagens passaram a conviver simultaneamente, ora servindo a projetos de contenção — como veremos nos movimentos minimalistas e racionalistas —, ora surgindo como correntes paralelas que mantinham viva a busca por intensidade visual, cor e exuberância.



O que vemos, portanto, é que o pós-guerra marca o início da nova era do ornamento: uma era em que ele deixa de ser ditado de cima para baixo, pelos grandes poderes, e passa a existir no cruzamento entre arte, design e consumo. Nunca mais haveria uma única estética dominante, e o ornamento passa a ser um campo disputado, ora reprimido, ora exaltado, mas sempre presente.


Nos próximos capítulos da série, vamos aprofundar como esses caminhos se desdobraram: de um lado, movimentos que buscaram silenciar a exuberância; de outro, tendências que insistiram em mantê-la viva.

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