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A Evolução do Ornamento — Ep 03 - Neoclassicismo: a elegância contida e o início da repressão ornamental

  • Writer: Caru Valverde
    Caru Valverde
  • Jul 15
  • 4 min read

Updated: 2 days ago

Este texto faz parte da série A Evolução do Ornamento, em que investigo como diferentes movimentos estéticos, culturais e simbólicos moldaram nossa relação com o gesto de ornamentar — da arquitetura à estamparia, da arte à moda.


Se o Rococó foi o auge da ornamentação sensorial e da extravagância visual, o Neoclassicismo chega como uma reação direta — um puxão de freio estético. Inspirado nas formas "puras" da Antiguidade greco-romana, esse movimento marca o fim dos excessos e o início de um ideal de beleza mais racional, simétrico e contido. É como se a Europa quisesse respirar depois de tantos babados e arabescos. E respirou fundo.


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Para entender de verdade essa mudança, a gente precisa olhar para o que estava acontecendo politicamente naquela época. Porque a repressão do ornamento não foi só uma questão de estilo — foi uma estratégia de poder.


A Revolução Francesa derruba a monarquia… mas deixa um vácuo.


O povo se rebela contra o luxo da corte, as injustiças sociais, os impostos e os privilégios da aristocracia. Derruba o rei, corta cabeças… mas aí vem o caos: guerra civil, crise econômica, instabilidade total.


Liberdade sem estrutura, vira medo.


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O novo poder quer mostrar que é diferente — mas também precisava ser respeitado. Os novos líderes precisam passar uma imagem de ordem, equilíbrio, moralidade e racionalidade. Napoleão não quer parecer frívolo como os reis, mas também não pode parecer fraco.


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A solução é voltar à Antiguidade.


A Roma republicana parecia o símbolo perfeito: austera, ordenada, nobre.

Nada de rococó, nada de instabilidade visual. Agora é tudo proporcional, racional, simbólico — e profundamente militar.


Eles ressuscitam colunas dóricas, proporções matemáticas, linhas retas, togas, simetria. A estética acompanha o projeto político: centralizar o poder, construir uma nação homogênea, controlar o caos da diversidade. Nasce o Neoclassicismo: a estética da razão. E com ele, o começo da contenção ornamental.


O ornamento vira suspeito. Excesso vira crime visual.


Na cabeça deles:

ornamento = luxo = aristocracia = injustiça

simplicidade = razão = república = moral


Nesse cenário, a contenção estética serve ao poder:

  • Controla o corpo - com roupas que limitam o movimento e eliminam o excesso

  • Controla o espaço - com arquitetura que impõe simetria e monumentalidade

  • Controlar o gosto - com valores ditos “universais” de beleza — sempre brancos, europeus, clássicos


O ornamento é apagado porque ele representa o imprevisível, o sensual, o popular, o não-europeu, o não-controlável. Ele ameaça esse novo ideal de mundo racional e “civilizado”. E assim, o ornamento não desaparece por completo, mas é enquadrado. Passa a ser usado com "função", comedidamente, nos cantos certos.


Só que junto com o luxo… vão embora também a emoção, a diversidade e o afeto.


Na moda, os vestidos passam a lembrar túnicas greco-romanas: cortes retos, tecidos leves, cores neutras. Tudo com uma suposta moralidade, uma sobriedade que nega o corpo.


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Na arquitetura, surgem palácios, teatros e edifícios públicos com fachadas simétricas, colunas e cúpulas. Tudo monumental, mas sem extravagância.

Nos interiores, os espaços ganham paletas discretas, ornamentos restritos a filetes e arabescos contidos. A casa passa a ser racionalizada. O gosto popular, desautorizado.


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O Neoclassicismo planta a ideia de que a verdadeira beleza é simples, ordenada, sem excessos. Essa ideia se espalha. E é ela que, mais tarde, inspira o modernismo, a Bauhaus e todas as estéticas que combatem o ornamento até hoje.


Entre os nomes que definiram essa nova linguagem estética estão o arquiteto Claude-Nicolas Ledoux, com suas formas geométricas monumentais e simbólicas, e o pintor Jacques-Louis David, que retratava heróis romanos com composições claras, frias e disciplinadas.


Rotunda de La Villette, 1780 por  Claude-Nicolas Ledoux
Rotunda de La Villette, 1780 por Claude-Nicolas Ledoux
Madame de Verninac (1799), Jacques-Louis David
Madame de Verninac (1799), Jacques-Louis David

Em Paris, edifícios como o Panthéon personificam a arquitetura do controle: ordem, simetria e austeridade.


Pantheón, em Paris
Pantheón, em Paris

No universo da estamparia, o Neoclassicismo traz uma virada estética e técnica. As estampas perdem a exuberância narrativa do século anterior e passam a adotar padrões mais discretos, repetitivos e racionais. Motivos inspirados na Antiguidade, como guirlandas, medalhões e figuras mitológicas, ganham destaque em composições simétricas. O block printing ainda é amplamente utilizado, mas agora a paleta se torna mais contida. Os tecidos priorizam a leveza e a fluidez — como o batiste, o muslin e o voile. As estampas florais, quando presentes, vem em miniatura, com espaçamento regular, refletindo o desejo de ordem e recato. É uma estamparia que não quer chamar atenção, mas sim se integrar de forma discreta a um ideal de harmonia visual.


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A contenção do período entretanto não impediu que um novo estilo marcante de estamparia surgisse. O Toile de Jouy, criado na França em 1760, se popularizou durante a era napoleônica. Em vez de grandes flores ou arabescos, ele apresentava cenas bucólicas, mitológicas ou morais — sempre impressas em uma única cor sobre fundo branco. Seu sucesso não vinha só da beleza, mas da narrativa "educada", repetida com elegância. Era o ornamento sob vigilância: controlado, simbólico, moralizado.


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Toda essa história nos ajuda a entender como a ideia de beleza foi moldada para servir a um projeto de ordem, poder e contenção. Reconhecer isso é o primeiro passo pra libertar a expressão visual do controle sem alma.



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