top of page

A Evolução do Ornamento - Ep 07 -Art Deco - O primeiro passo do Ornamento rumo a modernidade

  • Writer: Caru Valverde
    Caru Valverde
  • Nov 3
  • 6 min read

O Art Nouveau viveu seu auge entre 1890 e 1910, espalhando-se de forma quase avassaladora pelo mundo. Em apenas duas décadas, a estética das linhas sinuosas, flores e arabescos estava presente em fachadas, móveis, joias, cartazes, tecidos, papéis de parede. Essa difusão não foi um acaso: ela é filha direta da industrialização.


Na era pré-industrial, não havia saturação das estéticas, porque a produção era lenta, artesanal e feita em pequena escala. Mas, com a máquina, a reprodução tornou-se rápida, barata e em série. O que antes era exclusivo tornou-se acessível demais — e, portanto, banalizado.


E quando uma estética se torna “decoração de massa”, a elite cultural logo busca o contrário. Do excesso orgânico do Art Nouveau, nasce o desejo por um ornamento oposto: linhas retas, ângulos duros, padrões geométricos. Não menos ornamentado, mas muito mais disciplinado. É nesse deslocamento que a sementinha do Art Déco é plantada.


Só que em 1914 estourou a Primeira Guerra Mundial. A produção artística estacionou, as indústrias voltaram-se ao esforço militar e os artistas, quando não estavam nas trincheiras, produziam cartazes de propaganda política. A arte não desapareceu, mas ficou suspensa — reduzida a um instrumento funcional. Quando a guerra terminou, em 1918, começou um processo lento de retomada.


Paris, menos devastada que outras capitais europeias, voltou a ser o centro do luxo — um papel que já vinha desempenhando desde o fim do século XIX, quando as grandes exposições universais, como a de 1889 e a de 1900, projetaram a cidade como palco de vanguarda, onde novas estéticas eram apresentadas ao mundo. Mas agora Paris já não se vestia de arabescos. O trauma da guerra não criou, mas reforçou uma estética que já vinha despontando antes dela: menos emoção fluida, mais precisão formal. Era a necessidade de ordem após o caos, que deu força à linguagem nascente das linhas retas, padrões geométricos e ornamentos disciplinados.


Esse estilo ainda não tinha nome. Era uma linguagem em formação, visível sobretudo para quem acompanhava de perto as novidades da moda, da arquitetura e do design em Paris — um público restrito, leitor de revistas especializadas e frequentador assíduo das exposições de artes decorativas.


Nesse período, diferentes acontecimentos ajudaram a fortalecer essa nova estética que já se insinuava. Entre eles, a descoberta da tumba de Tutancâmon, em 1922, que incendiou a imaginação europeia com seu repertório visual: figuras rígidas, símbolos solares, cores vibrantes, uma geometria impregnada de mistério e poder. Esse fascínio pelo Egito Antigo não surgiu isolado, mas serviu como combustível poderoso para uma linguagem que já buscava a precisão, a ordem e o exotismo disciplinado.


Em 1925, essa estética ganhou enfim um palco oficial. A Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes, em Paris, apresentou ao mundo a síntese dessa modernidade luxuosa. Foi nesse momento que a linguagem se cristalizou e recebeu o nome pelo qual a conhecemos hoje: Art Déco.


Como o Art Déco se expressou


O Art Déco se espalhou rapidamente por diversas áreas criativas, traduzindo o espírito de modernidade com glamour disciplinado.


Arquitetura: Na arquitetura, se tornou uma linguagem global, reinterpretada em diferentes contextos urbanos e culturais.

Paris foi a vitrine inicial do estilo. Palácios e edifícios erguidos entre os anos 20 e 30, como o Palais de la Porte Dorée (1931) e o Palais de Chaillot (1937), mostraram como a cidade transformou a geometria em monumentalidade. Essa herança consolidou Paris como referência estética antes que o estilo cruzasse o Atlântico e florescesse dos lados de cá.


Nos Estados Unidos, especialmente em Nova York, o estilo encontrou terreno fértil no período do pós-guerra, quando o país emergiu fortalecido econômica e culturalmente. A corrida pelos arranha-céus em Manhattan traduziu esse poder e otimismo, e o movimento pautou a estética de ícones como o Chrysler Building (1930), o Empire State (1931), o Rockefeller Center (1933) e o Daily News Building (1930).


Já em Miami, o Art Déco assumiu outra face. Entre 1920 e 1940, a cidade ergueu o maior conjunto de edifícios do estilo no mundo. Diferente da monumentalidade de Manhattan, aqui ele se espalhou em construções horizontais, com fachadas em tons pastéis (rosa, azul, verde-água) e detalhes náuticos. Até hoje, caminhar pela Ocean Drive é como revisitar os anos 30: a avenida se tornou um ponto turístico célebre justamente por preservar essa versão tropical e lúdica do estilo.


Na América Latina, o Art Déco também deixou sua marca — e no Brasil nos presenteou com um dos nossos maiores tesouros. O Cristo Redentor (1931) é Art Déco. Suas linhas simples e monumentais, erguidas em concreto armado e revestidas de pedra-sabão, transformaram-se não apenas em símbolo nacional, mas em um dos monumentos mais conhecidos do mundo. Em São Paulo, o estilo aparece em marcos como o Edifício Esther (1938) e o histórico Cine Marabá, que ainda hoje preservam o charme da época. Goiânia e Campo Grande também guardam conjuntos arquitetônicos inteiros, onde fachadas geométricas e linhas verticais fazem parte do cotidiano urbano. Mais do que um estilo importado, o Déco foi incorporado ao nosso dia a dia, marcado por monumentos, cinemas e edifícios que continuam a contar a história de uma época de modernidade confiante.


Design e artes decorativas: Nas artes decorativas e no design de interiores, essa estética mais prática e racional se traduziu em materiais e formas. O brilho do cromo, o vidro espelhado e as superfícies laqueadas substituíram a delicadeza floral do passado, transmitindo modernidade com rigor geométrico. Escrivaninhas de linhas retas em madeira nobre, como as célebres peças de Ruhlmann, e as poltronas club de couro compacto se tornaram ícones do período. Eram móveis sólidos, de desenho simples, mas com acabamento luxuoso, que davam às casas e hotéis uma atmosfera de disciplina elegante, onde o luxo ainda estava presente, só que numa versão controlada.


Moda e estamparia: A moda dos anos 20 e 30 foi super transgressora. Coco Chanel foi a grande força de transformação do período e libertou as mulheres dos espartilhos, trazendo cortes mais simples e funcionais, em sintonia com a vida moderna. Essa visão também se refletiu nas estampas. Inspirada nos uniformes da Marinha Francesa, Chanel incorporou as listras ao guarda-roupa feminino, transformando um símbolo rígido e militar em sofisticação urbana. Essa estampa dialogava diretamente com o espírito geométrico do Déco, e o gosto pela repetição ordenada se estendeu a outros padrões, como o chevron e diferentes desenhos gráficos que ganharam os tecidos e os interiores. Esse terreno aberto à geometria vibrante foi o palco perfeito para experiências ousadas de artistas como Sonia Delaunay.


Sonia Delaunay: transformando arte em estampa


Esse terreno aberto à geometria vibrante, somado ao florescimento do cubismo nas artes, foi o palco perfeito para as experiências ousadas de Sonia Delaunay.


Nascida em Odessa e radicada em Paris, Sonia começou como pintora de vanguarda ao lado do marido, Robert, explorando as cores em movimento num estilo batizado de Orfismo. Desde cedo percebeu que o jogo de contrastes e ritmos podia ultrapassar a tela. Em 1911, costurou uma colcha de retalhos para o filho e intuiu que a pintura podia habitar os tecidos do dia a dia. A partir dessa experiência, passou a explorar a arte na superfície têxtil, criando peças que levavam a estética da vanguarda para o cotidiano. Pouco depois, concebeu o célebre Vestido Simultâneo: uma peça em seda colorida, composta por blocos geométricos costurados em faixas de cores contrastantes. Ao ser vestido, o corpo se tornava parte da composição — cada movimento criava novas combinações, como uma pintura em constante mutação. Não era apenas um vestido moderno: era a tradução viva da ideia de simultaneidade que guiava seu trabalho, onde arte e vida se fundiam em ritmo e cor.


Na década de 1910, em Madri, fundou a Casa Sonia, uma loja de roupas, acessórios e objetos decorativos que traziam a mesma linguagem de círculos concêntricos, zigue-zagues e blocos de cor de suas pinturas. Mas foi em 1925, na Exposição Internacional de Paris, que apresentou o Pavilhão Simultané. Ali, Sonia criou um espaço vibrante onde cores e formas geométricas envolviam o visitante em tecidos, mobiliário e objetos. Não era apenas uma mostra de produtos: era uma instalação imersiva que mostrava como sua pesquisa abstrata podia se transformar em linguagem para a moda e para os interiores, colocando a estamparia como verdadeira protagonista da modernidade.


Mais tarde, Sonia colaborou com empresas como a Metz & Co, uma loja de departamentos de Amsterdã conhecida por apostar em design moderno e difundir peças de vanguarda. Lá, forneceu padrões têxteis que ajudaram a espalhar suas criações geométricas pela Europa, alcançando um público que ia além das elites artísticas. Essa parceria mostrou a força de seu trabalho dentro da indústria, consolidando-a como pioneira em unir arte, moda e decoração numa mesma linguagem. Vestidos, lenços, papéis de parede e tapetes passaram a falar a mesma língua — a da cor vibrante organizada em geometria — transformando a vida cotidiana em um campo de experimentação artística.


O legado de Sonia Delaunay está justamente nessa fusão entre arte e estampa. Ela mostrou que padrões geométricos e cores vibrantes podiam vestir corpos e preencher casas com a mesma intensidade de uma tela. Sua obra abriu caminho para que a estamparia fosse reconhecida não como detalhe, mas como linguagem completa da modernidade.



O Art Déco perdurou até o início dos anos 1940 e foi interrompido pela eclosão da Segunda Guerra Mundial. Ao longo de duas décadas, consolidou-se como uma estética global que marcou arquitetura, design, moda e cotidiano com sua disciplina geométrica e seu luxo racionalizado. Sua força foi tanta que, ainda hoje, permanece como um dos estilos mais reconhecíveis e influentes do século XX.

Comments


© 2023 por Artista Urbano. Criado orgulhosamente com Wix.com

bottom of page